segunda-feira, dezembro 3

O Adeus do Dr.Calisto

O último Rali Casinos do Algarve fica marcado pela despedida de Victor Calisto das lides do nacional. Foram 32 anos de participação assídua nos ralis do campeonato nacional, criando amigos, fãs, demontrando um estar diferente na competição, por vezes até tornado-se incomodativo principalmente com as suas crónicas. Fala-se bem, ou fala-se mal, Victor Calisto não deixou ninguém indiferente, e à sua maneira deixou a marca nos ralis do nacional.
Pessoalmente, ainda me lembro no Casinos de 2004, esperava para arrancar para a especial nocturna, regressava ele e seu companheiro António Cirne para o Parque Fechado, depois de cumprida a prova. Estranhamente o interior da viatura vinha iluminado, e parecia existir algo anormal no tablier...deparei-me com o rádio aceso, sintonizado na RFM, com música do programa Oceano Pacífico com locução de João Chaves.
Também não deixo de recordar as suas participações no Vinho Madeira, e as suas constantes quezílias com a organização, principalmente devido ao elevado número de porta com que saia. Desde o AX, ao Yaris, ou mesmo com o Xsara dos "faróis tipo Lexus", foi um animador, à sua maneira, das provas do regional, e mais cedo ou mais tarde será notada a sua falta. Daqui fica um admirador, que concerteza recordará "o Dr. Calisto" dentro de alguns anos.
No adeus à competição, poderá ser o "olá" à orgaização, pois seu nome é falado para a organização de um troféu nacional, mas ainda está em processo embrionário.
Em jeito de despedida, deixo a sua última crónica - a do Rali Casinos do Algarve:
"Tenho hesitado bastante, como nunca hesitei para escrever a minha última crónica, enquanto piloto…
Esperei alguns dias, para que talvez, a ferida aberta por auto flagelação, cicatrizasse um pouco mais, e não me fizesse sempre despertar um mar de emoções contraditórias…
Tenho esperado, como nunca aconteceu, pelas palavras certas, pela construção da frase mais correcta e no fundo por um adiar do inadiável …
Mas não há volta a dar-lhe!!!
A decisão é definitiva e inalterável…
Esta (Rali do Algarve) foi efectivamente a minha última prova, as minhas últimas classificativas, as minhas últimas emoções dentro de um veículo de competição…
Mas não é possível deitar para atrás das costas mais de três décadas de participações regulares em ralis, que fizeram da Calisto Corse Equipe a mais veterana das veteranas equipas que em todos os tempos militaram nesta disciplina motorizada.
Podem imaginar, porque só de imaginar devem ficar cansados, as lutas que tive de travar ao longo destes anos para conseguir tal longevidade…
Reuniões desmarcadas, sponsors que não passaram de promessas, gente boa, gente má, e no fundo uma única coisa subsistia – a vontade hercúlea de seguir em frente, de estar na estrada mais um ano, de voltar a sonhar, e de sonhar bem alto, com coisas tão pequenas...
...como uma paixão enorme que nos impele contra tudo e contra todos!!!
Sacrifícios profissionais, familiares, e de lazer para o prazer de poder estar sempre por dentro, e de uma forma muito especial…
…na maior parte das vezes nem sempre entendida da melhor maneira, porque continuo a pensar que nunca estive na hora certa e na altura exacta no sítio certo, porque talvez, e só talvez, a história pudesse ser contada de uma outra forma!!!
Mas talvez por isso, a vontade foi mais forte de que todas as barreiras, e se nem sempre os resultados desportivos puderam projectar-me para onde pretendia, a minha voz fez-se sempre ouvir na defesa da justiça e imparcialidade dos parentes pobres do pelotão, que talvez por menos teimosos e persistentes, a alguns já lhes perdi o rasto à muito.
Com poucos meios e muita vontade, soube sempre mostrar porque estava vivo e continuava presente, tentando sempre rentabilizar os apoios que de uma forma ou outra lá ía conseguindo…
...e se por uma vez ousasse dizer as verbas com que habitualmente contava para disputar as provas que disputava, certamente alguém me chamaria de mentiroso e aldrabão…
Bye bye, my love, goodbye
Nesta hora de tristeza intensa que me invade, sei que não vai ser fácil deixar de participar, de estar envolvido... no fundo, estar por dentro!!!
Nesta hora sabe-me bem recordar quem sempre esteve do meu lado, quem nunca deixou de me criticar e essencialmente todos aqueles, que de uma forma ou outra ligaram o seu nome às minhas participações, fosse como sponsor, apoio, como técnico na preparação e assistência dos carros que utilizei, ou fazendo parte integrante desta família, que foi ao longo dos anos a Calisto Corse Equipe.
Uma certeza porém, é que construí muitas amizades e desenvolvi novas ligações neste oceano que atravessei durante três décadas e pelo menos duas gerações...
Deixei muitos amigos e fãns, que sempre entenderam a minha filosofia de participação e sempre me apoiaram incondicionalmente nas bermas das estradas, e deixei também, muitas vozes discordantes que me deram sempre, ainda mais força para continuar e fazer melhor...
No fundo não passei ao lado deste mundo maravilhoso do desporto automóvel...
...não fui campeão...
...mas fui EU...sempre!!!
O último pódium
Neste ano, em que préviamente anunciei que seria o último, fui cumprindo o melhor que sabia e podia todas as provas do Campeonato, sabendo que jamais passaria pelas classificativas enlameadas do Rali Torrié, pela catedral dos ralis em Fafe, pela Tronqueira em S. Miguel ou pelo Chão de Lagoa na Madeira.
E à medida que as ia cumprindo, ia também deixando em cada uma delas um pouco de mim mesmo, um pouco da minha vida, um pouco da minha paixão...
E quando na Serra de Monchique, na última classificativa do último rali disputado, tirei o capacete pela última vez, senti um misto de alegria pelo dever cumprido de ser uma das duas únicas equipas no ano de 2007 a percorrer na totalidade todas as classificativas do Campeonato Nacional, e de tristeza profunda por saber que não mais iria cumprir mais nenhuma classificativa...
...e um caudal de emoções disparou com as lágrimas a aparecerem em cada kilómetro percorrido até á chegada em Portimão
E que emocionante foi subir aquele pódium, agradecer os últimos aplausos e abrir a última garrafa de espumante...
...sentir a emoção e o carinho das pessoas que me rodeavam...
...e as gotas de espumante que caiam em cima de mim, misturando-de com as lágrimas salgadas que teimavam em não parar...
E, mais tarde na entrega de prémios, não houve coração para resistir àquela família bonita do automobilismo nacional a fazer-me sentir que afinal não fora em vão a nossa teimosia!!!
Pena é que não pudesse ter partilhado este último pódium com todos aqueles que me deram a honra de se sentarem no meu banco do lado direito...
Obrigado a todos por me terem deixado sonhar
Até sempre "
Victor Calisto

1 comentário:

AC disse...

Lembraste-me dessa característica do Xsara do Calisto, o rádio, algo que eu nunca tinha visto num carro de corrida e quando o vi no dele fiquei completamente espantado. É uma personagem que vai fazer falta.