Das vitórias polémicas de Américo Nunes à estranha desistência do Ferrari 308 GTB de Jean-Claude Andruet, que deu a vitória a um 'desconhecido' Ali Kridel, passando pela ira de Andrea Aghini, há muitas estórias para contar no rali madeirense.
Manhã de domingo, dia 4 de Setembro de 1977. A procissão da Festa do Senhor Bom Jesus percorre o centro da freguesia de Ponta Delgada, precisamente na altura em que os carros participantes na Volta à Madeira em Automóvel cumprem o troço de ligação que os levará até à classificativa n.º 16 entre São Jorge e Santana. A multidão trava-lhes o caminho, a polícia está irredutível e não abre excepções: os carros terão de esperar que a procissão termine para prosseguirem o seu caminho.
Na fila de trânsito que se formou à entrada da rua principal da freguesia nortenha, onde os concorrentes exasperam, estão vários carros, entre eles os de André Martinho (Porsche Carrera RS) e do madeirense Janica Clemente (Ford Escort RS), os dois homens que vêm discutindo a liderança da prova. Pouco depois chega o Porsche 911 S da equipa Américo Nunes/José Baptista; rapidamente, o piloto lisboeta vê naquele inesperado incidente uma forma de relançar as suas possibilidades de lutar pela vitória no rali. Que pareciam ter ficado irremediavelmente hipotecadas logo no início da prova, quando, na entrada para um controlo, a equipa se distraiu e deixou passar a sua hora ideal, acabando por penalizar quatro minutos.
O plano 'maluco' engendrado por Américo Nunes - que pretendia fazer crer que o navegador necessitava de urgente tratamento hospitalar - passa rapidamente da teoria à prática: um pano branco na cabeça de João Baptista, quatro piscas ligados e persistentes buzinadelas convencem o polícia e os fiéis a abrirem caminho. O Porsche preto e branco irrompe por entre a procissão e é o único a seguir o seu destino sem penalização.
A teatralização vale a quarta vitória de Américo Nunes na Madeira. No final, o piloto ainda tem de enfrentar a contestação de outros pilotos e do próprio Alfredo César Torres, presidente da Comissão Desportiva Nacional. A ameaça de desclassificação, por alegado comportamento anti-desportivo, cai por terra, visto não estar contemplada em nenhum regulamento. Para o piloto esta é também uma forma de vingança para com alguns adversários que, apercebendo-se da situação, não o avisaram aquando da penalização averbada no início da prova.
Américo Nunes é o protagonista principal de um outro episódio que integra o anedotário do rali madeirense. Em 1969, só a muito custo o piloto lisboeta consegue alinhar à partida, depois de ter embatido forte numa árvore, alguns dias antes do arranque da prova, ao desviar-se de um cantoneiro que limpava a berma da estrada. A recuperação do carro implica três directas consecutivas na garagem, trabalhando dia e noite. O Porsche fica operacional, mas os 'remendos' feitos em alguns órgãos mecânicos levam a que um grupo de concorrentes apresente um abaixo-assinado à direcção de prova, solicitando a exclusão de Américo Nunes (que havia ganho no ano anterior e era o principal candidato a vencer) por razões de segurança da viatura. Contestação que não é atendida.
Essa 'volta' de 69 torna-se um verdadeiro calvário para os concorrentes. A juntar ao arreliador empedrado das estradas madeirenses da época e às curtas médias horárias exigidas, um grande vendaval abate-se sobre a ilha. Entre avarias, acidentes e excessos de penalização, todos os concorrentes vão ficando pelo caminho. Menos Américo Nunes, que nesse rali se faz acompanhar por Fernando Fonseca. Ainda assim, após a chegada ao Funchal, levanta-se a dúvida sobre a classificação da única equipa resistente, com a alegação de que o Porsche número 3 havia falhado um controle de passagem em São Martinho.
Feitas as averiguações, a organização chegou à conclusão que o lapso havia acontecido porque a placa informativa do controle tinha caído ao chão em consequência da forte ventania que se fazia sentir. Américo Nunes é, assim, declarado vencedor.
O luxemburguês Ali Kridel é, certamente, o mais improvável vencedor de sempre da Volta à Madeira em Automóvel. Um 'ilustre desconhecido' que, após a vitória na Madeira, fruto da desistência dos principais candidatos e também de uma grande regularidade, passou a... 'desconhecido ilustre'. E não mais se ouviu falar deste piloto que tripulava um Ford Escort MKII.
Nesse ano de 1981, o favoritismo era atribuído, quase por inteiro, aos dois Ferrari 308 GTB conduzidos por Jean-Claude Andruet e Roberto Liviero, embora houvesse que contar com os dois Fiat 131 Abarth de Adartico Vudafieri, vencedor da edição anterior, e de Andrea Zanussi.
O início do rali confirmou a hegemonia dos Ferrari e do conceituado piloto francês, considerado um dos melhores especialistas do mundo em piso de asfalto, ao mesmo tempo que Zanussi era obrigado a desistir logo na segunda classificativa e Vudafieri era vítima de uma violenta saída de estrada no Paul da Serra, que destruiu a sua máquina e, obviamente, o deixou fora de prova.
Tudo parecia encaminhar-se para um passeio de Andruet, que partia para a segunda etapa com mais de dois minutos de vantagem sobre Liviero e oito em relação a Ali Kridel. Mas a noite madeirense virou tudo do avesso: primeiro foi o italiano que se viu obrigado a abandonar, devido a problemas na caixa de velocidades; depois foi Andruet a parar, numa das desistências mais estranhas e misteriosas da história da prova.
Oficialmente, o abandono de Andruet terá ficado a dever-se a uma suposta troca de 'bidons' , por parte da equipa, num momento de reabastecimento. Em vez de gasolina terá sido deitada água no depósito! Na altura, porém, falou-se de muita coisa, inclusivamente de uma sabotagem feita por estranhos.
Andrea Aghini e o seu Peugeot 206 WRC dominavam de forma categórica a edição 2002 do então já denominado Rali Vinho da Madeira, dispondo de 31 segundos de vantagem sobre o português Miguel Campos, quando uma penalização atribuída pelo organização inverte a ordem da classificação dos pilotos. A organização considerou que o navegador de Aghini, o malogrado Loris Roggia, havia entregue a carta de controle antes do tempo, na classificativa do Lugar da Serra, impondo uma penalização de um minuto à equipa.
Desgostoso com a decisão (o piloto afirmava que havia sido o controlador a tirar a carta da mão de Roggia), Aghini perde as estribeiras e diz estar-se perante uma "uma manobra da máfia portuguesa" para dar a vitória a Campos. Ameaça abandonar a prova se não lhe retirassem a penalização, mas perante a
irredutibilidade do Colégio de Comissários Desportivos, muda de estratégia e parte para uma segunda etapa completamente ao ataque. Vence oito das 11 classificativas do dia, recupera os 18,1 segundos de desvantagem e ainda acaba com uma vantagem de 12,1 segundos em relação a Miguel Campos. No final do rali, Aghini muda o discurso, pede desculpas públicas, mas a verdade é que entrara em rota de colisão com a organização: a partir de então, não mais marcou presença na Madeira.
Bibliografia
Arquivo Diário de Notícias
Livro "Américo Nunes - O Senhor dos Porsche"
retirado de Diário de Noticias da Madeira
Na fila de trânsito que se formou à entrada da rua principal da freguesia nortenha, onde os concorrentes exasperam, estão vários carros, entre eles os de André Martinho (Porsche Carrera RS) e do madeirense Janica Clemente (Ford Escort RS), os dois homens que vêm discutindo a liderança da prova. Pouco depois chega o Porsche 911 S da equipa Américo Nunes/José Baptista; rapidamente, o piloto lisboeta vê naquele inesperado incidente uma forma de relançar as suas possibilidades de lutar pela vitória no rali. Que pareciam ter ficado irremediavelmente hipotecadas logo no início da prova, quando, na entrada para um controlo, a equipa se distraiu e deixou passar a sua hora ideal, acabando por penalizar quatro minutos.
O plano 'maluco' engendrado por Américo Nunes - que pretendia fazer crer que o navegador necessitava de urgente tratamento hospitalar - passa rapidamente da teoria à prática: um pano branco na cabeça de João Baptista, quatro piscas ligados e persistentes buzinadelas convencem o polícia e os fiéis a abrirem caminho. O Porsche preto e branco irrompe por entre a procissão e é o único a seguir o seu destino sem penalização.
A teatralização vale a quarta vitória de Américo Nunes na Madeira. No final, o piloto ainda tem de enfrentar a contestação de outros pilotos e do próprio Alfredo César Torres, presidente da Comissão Desportiva Nacional. A ameaça de desclassificação, por alegado comportamento anti-desportivo, cai por terra, visto não estar contemplada em nenhum regulamento. Para o piloto esta é também uma forma de vingança para com alguns adversários que, apercebendo-se da situação, não o avisaram aquando da penalização averbada no início da prova.
Américo Nunes é o protagonista principal de um outro episódio que integra o anedotário do rali madeirense. Em 1969, só a muito custo o piloto lisboeta consegue alinhar à partida, depois de ter embatido forte numa árvore, alguns dias antes do arranque da prova, ao desviar-se de um cantoneiro que limpava a berma da estrada. A recuperação do carro implica três directas consecutivas na garagem, trabalhando dia e noite. O Porsche fica operacional, mas os 'remendos' feitos em alguns órgãos mecânicos levam a que um grupo de concorrentes apresente um abaixo-assinado à direcção de prova, solicitando a exclusão de Américo Nunes (que havia ganho no ano anterior e era o principal candidato a vencer) por razões de segurança da viatura. Contestação que não é atendida.
Essa 'volta' de 69 torna-se um verdadeiro calvário para os concorrentes. A juntar ao arreliador empedrado das estradas madeirenses da época e às curtas médias horárias exigidas, um grande vendaval abate-se sobre a ilha. Entre avarias, acidentes e excessos de penalização, todos os concorrentes vão ficando pelo caminho. Menos Américo Nunes, que nesse rali se faz acompanhar por Fernando Fonseca. Ainda assim, após a chegada ao Funchal, levanta-se a dúvida sobre a classificação da única equipa resistente, com a alegação de que o Porsche número 3 havia falhado um controle de passagem em São Martinho.
Feitas as averiguações, a organização chegou à conclusão que o lapso havia acontecido porque a placa informativa do controle tinha caído ao chão em consequência da forte ventania que se fazia sentir. Américo Nunes é, assim, declarado vencedor.
O luxemburguês Ali Kridel é, certamente, o mais improvável vencedor de sempre da Volta à Madeira em Automóvel. Um 'ilustre desconhecido' que, após a vitória na Madeira, fruto da desistência dos principais candidatos e também de uma grande regularidade, passou a... 'desconhecido ilustre'. E não mais se ouviu falar deste piloto que tripulava um Ford Escort MKII.
Nesse ano de 1981, o favoritismo era atribuído, quase por inteiro, aos dois Ferrari 308 GTB conduzidos por Jean-Claude Andruet e Roberto Liviero, embora houvesse que contar com os dois Fiat 131 Abarth de Adartico Vudafieri, vencedor da edição anterior, e de Andrea Zanussi.
O início do rali confirmou a hegemonia dos Ferrari e do conceituado piloto francês, considerado um dos melhores especialistas do mundo em piso de asfalto, ao mesmo tempo que Zanussi era obrigado a desistir logo na segunda classificativa e Vudafieri era vítima de uma violenta saída de estrada no Paul da Serra, que destruiu a sua máquina e, obviamente, o deixou fora de prova.
Tudo parecia encaminhar-se para um passeio de Andruet, que partia para a segunda etapa com mais de dois minutos de vantagem sobre Liviero e oito em relação a Ali Kridel. Mas a noite madeirense virou tudo do avesso: primeiro foi o italiano que se viu obrigado a abandonar, devido a problemas na caixa de velocidades; depois foi Andruet a parar, numa das desistências mais estranhas e misteriosas da história da prova.
Oficialmente, o abandono de Andruet terá ficado a dever-se a uma suposta troca de 'bidons' , por parte da equipa, num momento de reabastecimento. Em vez de gasolina terá sido deitada água no depósito! Na altura, porém, falou-se de muita coisa, inclusivamente de uma sabotagem feita por estranhos.
Andrea Aghini e o seu Peugeot 206 WRC dominavam de forma categórica a edição 2002 do então já denominado Rali Vinho da Madeira, dispondo de 31 segundos de vantagem sobre o português Miguel Campos, quando uma penalização atribuída pelo organização inverte a ordem da classificação dos pilotos. A organização considerou que o navegador de Aghini, o malogrado Loris Roggia, havia entregue a carta de controle antes do tempo, na classificativa do Lugar da Serra, impondo uma penalização de um minuto à equipa.
Desgostoso com a decisão (o piloto afirmava que havia sido o controlador a tirar a carta da mão de Roggia), Aghini perde as estribeiras e diz estar-se perante uma "uma manobra da máfia portuguesa" para dar a vitória a Campos. Ameaça abandonar a prova se não lhe retirassem a penalização, mas perante a
irredutibilidade do Colégio de Comissários Desportivos, muda de estratégia e parte para uma segunda etapa completamente ao ataque. Vence oito das 11 classificativas do dia, recupera os 18,1 segundos de desvantagem e ainda acaba com uma vantagem de 12,1 segundos em relação a Miguel Campos. No final do rali, Aghini muda o discurso, pede desculpas públicas, mas a verdade é que entrara em rota de colisão com a organização: a partir de então, não mais marcou presença na Madeira.
Bibliografia
Arquivo Diário de Notícias
Livro "Américo Nunes - O Senhor dos Porsche"
retirado de Diário de Noticias da Madeira
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